29 de junho de 2012

A casa de Amityville, de Denis Ferraz

Em Junho de 1965, o Sr. Ronald DeFeo adquiriu a casa nº 122 na rua Ocean Avenue. Era uma casa linda, com uma arquitectura ao estilo Holandês, bastante espaçosa e com uma casa de barcos, um anexo com ligação ao rio. Parecia o Sonho Americano: uma casa de sonho, família feliz e muito dinheiro para gastar. Os DeFeo até colocaram uma tableta em frente á sua casa onde se podia ler "Grandes Esperanças", como que um símbolo da fortuna da família. Mas havia um lado negro escondido na família...
o filho mais velho do casal, Ronald "Butch" Júnior, consumia drogas e praticava pequenos roubos, o que levava a frequentes e violentas discussões com o seu pai. No dia 13 de Novembro de 1974 enquanto toda a família dormia nos seus quartos, Ronald "Butch" Júnior estava a ver televisão no segundo piso, quando se levantou e pegou na sua carabina (uma Marlin Rifle .35). Dirigiu-se primeiro ao quarto de seus pais e disparou dois tiros contra o seu pai Ronald DeFeo e seguidamente disparou mais dois tiros contra a sua mãe Louise. De seguida matou os seus dois irmãos John e Marc e posteriormente também as suas duas irmãs Dawn e Allison. Corpo de Marc DeFeo de 12 anos e a cadeira de rodas que usava temporariamente devido a uma lesão recente causada ao jogar futebol. Infelizmente a fotografia ficou sobreposta com outra, tirada a um dos detetives da policia.
O local do crime é seguro pela polícia enquanto decorrem as investigações Ronald "Butch" Jr fugiu depois de cometer os crimes, desfazendo-se das caixas das balas e da bolsa almofadada da carabina numa sarjeta de outra rua nos arredores. Ele, tentando descartar qualquer culpa pelos assassinatos, dirigiu-se para um bar na área para pedir ajuda dizendo aos seus amigos lá presentes que talvez os seu pais tivessem mortos. Ele acompanhado dos amigos voltaram à casa de onde um deles efetuou um telefonema para a polícia a relatar o sucedido. As provas do crime que foram retiradas da sarjeta onde foram encontradas. Quando a polícia chegou ao local do crime, foram encontrados 6 corpos, todos nas suas camas e todos na mesma posição: de barriga para baixo. Planta da casa indicando o posicionamento e localização dos corpos.



Ao início "Butch" tentou culpar a máfia pelos crimes cometidos contra a sua família, mas os detetives da policia começaram a desconfiar quando encontraram num dos quartos a caixa vazia de uma arma igual à do crime. Mais tarde em julgamento, "Butch" viria a confessar os crimes: "Começou tudo muito rápido.
Assim que comecei, não consegui parar. Foi tudo muito rápido". Ronald "Butch" Júnior, confessado ser o autor dos 6 crimes é levado a julgamento Ronald "Butch" Júnior é acompanhado pela polícia.
Quando lhe perguntaram porque cometeu ele tamanha atrocidade ele adiantou: "Eu não matei a minha família, eles iam matar-me. O que eu fiz foi em auto-defesa e não há nada de errado com isso. Quando tenho uma arma na mão, não há duvida nenhuma sobre quem eu sou. Eu sou Deus".
Depois do trágico acontecimento, em Dezembro de 1975, George e Kathleen Lutz e os seus 3 filhos mudam-se para o número 122 da Ocean Avenue. Eles foram avisados dos crimes que ali ocorreram, no entanto não se sentiram incomodados. Apenas chamaram um padre da igreja católica para benzer a casa. No decorrer da benção, num dos quartos o padre ouviu uma voz dizendo-lhe "vai-te embora", mas para não amedrontar a família, não lhes contou esse acontecimento macabro, no entanto disse-lhes para não usarem aquele quarto pois tinha sentido algo de estranho lá. 

George e Kathleen Lutz mudaram-se para a casa de Amityville depois dos trágicos assasinatos No entanto coisas estranhas começam a ocorrer e eles abandonam a casa apenas 28 dias depois de se terem mudado, deixando tudo para trás. 
A visita da casa de Amityville, mais tarde, por uma equipa de investigadores foi  realizada  para tentar descobrir mais qualquer coisa de sobrenatural. De entre muitas fotografias que examinaram, uma delas captou uma criança espreitando de um dos quartos. Na altura a criança não foi vista por ninguém e não havia crianças juntamente com o grupo. Seria aquele o fantasma de um dos rapazes DeFeo? Não havia nenhuma criança presente no decorrer da investigação mas esta fotografia vem mostrar algo sobrenatural.
Embora "Butch" tenha sido condenado a 6 penas consecutivas de 25 anos de prisão acusado de 6 crimes em segundo grau, muitas questões se mantêm sobre o que realmente aconteceu naquela noite.  Porque não fugiram as crianças quando ouviram os primeiros tiros? Porque motivo foram todas as vítimas encontradas na mesma posição? Ter-lhes-ão ordenado que ficassem de barriga para baixo? Os peritos puseram de parte a teoria de que eles teriam sido assassinados noutro local e depois colocados naquela posição. 

Porque razão não ouviram os vizinhos os tiros? O barulho de uma carabina daquelas é bastante alto e pode ser ouvido a mais de um kilometro e meio de distancia, no entanto a única coisa que um dos vizinhos afirma ter ouvido naquela noite foi o cão da família a ladrar. Ficou ainda provado que não foi utilizado qualquer tipo de silenciador na carabina de modo a abafar o ruído. As autópsias revelaram ainda que as vítimas não estavam sobre o efeito de qualquer tipo de drogas ou substancia que favorecesse os assassínios.
Atualmente "Bucth" continua a cumprir pena na prisão de Green Haven em Nova York e sempre lhe foi negada a saída em liberdade condicional. Ainda assim, mesmo quando questionado, ele continua a alterar a sua história dos fatos ao longo dos anos, deixando assim um mistério no ar. Uma outra versão dos fatos é que a sua irmã Dawn estaria envolvida no crime. Nesta versão, "Butch" e Down teriam combinado matar seus pais, mas para que não houvesse testemunhas ela acabou por matar também as crianças e que "Butch" ao aperceber-se disso, deu-lhe uma pancada na cabeça e matou-a posteriormente com um tiro de carabina. Nos relatórios da investigação policial, ficou anotado que Dawn tinha vestígios de pólvora na sua roupa, o que indica que ela disparou uma arma naquela noite. Como nota adicional, consta ainda que "Butch" e Dawn praticavam incesto. Provavelmente nunca saberemos toda a verdade sobre o que se passou naquela casa na noite de 13 de Dezembro de 1974... A casa foi, entretanto, modificada ,uma das modificações mais evidentes foi o formato das janelas do piso superior. O número da porta foi também alterado. A casa foi posteriormente modificada e o número da porta mudado para desencorajar os turistas de procurá-la.  É freqüente os vizinhos dizerem que a casa de Amitiville foi demolida, mas isso não é verdade. Tudo isto para desencorajar as pessoas que vêm de toda a parte para ver a casa e tentar a sua sorte na descoberta de fantasmas ou demônios.
Depois dos Lutz abandonar a casa, mais famílias viveram na casa, mas não foram registrados mais casos de atividade sobrenatural idênticos aos anteriores.






28 de junho de 2012

Uma história de amor e loucura


Pilares adornados emolduram as ruinas cobertas de hera do castelo Baldoon, que se ergue em um trexo desolado das terras baixas escocesas, cerca de 130 quilômetros" de Glasgow, Baldoon foi o cenário de uma história trágica, mais tarde imortalizada por Sir Walter Scott em seu romance Lúcia de Lammermor.
A história real envolveu a familia de Sir James Dalrymple, eminente jurista e estadista. Sua filha mais velha era a bela Janet Dalrymple, que antes de atingir a maioridade comprometeu-se em segredo com um jovem nobre pobre a quem amava, Lord Rutherford.
Os pais de Janet, particularmente sua mãe, uma mulher arrogante cujos ditames nem mesmo seu marido se atrevia a contrariar, reprovaram a união dos dois apaixonados jovens.
Impotente diante da autoritária mãe, Janet não teve outra alternativa senão renunciar à felicidade e, assim, viu-se forçada a faltar com a palavra dada a seu verdadeiro e grande amor, submetendo-se à vontade dos seus pais, obedecendo à determinação destes de casá-la com o homem escolhido por eles, David Dunbar, sobrinho de Rutherford e herdeiro de Baldoon. Triste, infeliz, mas resignada,Janet casou-se com Dunbar no dia 24 de agosto de 1669.
Há várias versões do que ocorreu na trágica noite de núpcias, porém a mais conhecida conta que houve um grande banquete e um esplendoroso baile em Baldoon, durante o qual o casal se recolheu aos seus aposentos, como ditava a tradição milenar. 
Logo depois, os convidados ouviram assustados, aterrorizantes.gritos vindo do quarto nupcial.
Arrombando a porta, perplexos os pais e alguns convidados acharam Dumbar estendido no chão, ensanguentado por vários ferimentos de faca. A noiva, com o vestido todo sujo de sangue, estava agachada em um canto, murmurando consigo mesma, claramente enlouquecida. 
As únicas palavras coerentes que a ouviran dizer foi: "Levem daqui esse noivo ossudo". Dunbar sobreviveu, mas Janet morreu em menos de um mês. Diz-se que seu fantasma manchado de sangue ainda assombra Baldoon, talvez em espiação, talvez procurando por seu amor perdido. 

Autor: Denis Ferraz




Flor, Telefone, Moça, de Carlos Drummond de Andrade


Não, não é conto. Sou apenas um sujeito que escuta algumas vezes, que outras não escuta, e vai passando. Naquele dia escutei, certamente porque era a amiga quem falava. É doce ouvir os amigos, ainda quando não falem, porque amigo tem o dom de se fazer compreender até sem sinais. Até sem olhos.
Falava-se de cemitérios? De telefones? Não me lembro. De qualquer modo, a amiga – bom, agora me recordo que a conversa era sobre flores – ficou subitamente grave, sua voz murchou um pouquinho.
– Sei de um caso de flor que é tão triste!
E sorrindo:
– Mas você não vai acreditar, juro.
Quem sabe? Tudo depende da pessoa que conta, como do jeito de contar. Há dias em que não depende nem disso: estamos possuídos de universal credulidade. E daí, argumento máximo, a amiga asseverou que a história era verdadeira.
– Era uma moça que morava na Rua Gerenal Polidoro, começou ela. Perto do Cemitério São João Batista. Você sabe, quem mora por ali, queira ou não queira, tem de tomar conhecimento da morte. Toda hora está passando enterro, e a gente acaba por se interessar. Não é tão empolgante como navios ou casamentos, ou carruagem de rei, mas sempre merece ser olhado. A moça, naturalmente, gostava mais de ver passar enterro do que não ver nada. E se fosse ficar triste diante de tanto corpo desfilando, havia de estar bem arranjada.
Se o enterro era mesmo muito importante, desses de bispo ou de general, a moça costumava ficar no portão do cemitério, para dar uma espiada. Você já notou como coroa impressiona a gente? Demais. E há a curiosidade de ler o que está escrito nelas. Morto que dá pena é aquele que chega desacompanhado de flores – por disposição de família ou falta de recursos, tanto faz. As coroas não prestigiam apenas o defundo, mas até o embalam. Às vezes ela chegava a entrar no cemitério e a acompanhar o préstimo até o lugar do sepultamento. Deve ter sido assim que adquiriu o costume de passear lá por dentro. Meu Deus, com tanto lugar pra passear no Rio! E no caso da moça, quando estivesse mais amolada, bastava tomar um bonde em direção à praia, descer no Mourisco, debruçar-se na amurada. Tinha o mar à sua disposição, a cinco minutos de casa. O mar, as viagens, as ilhas de coral, tudo grátis. Mas por preguiça pela curiosidade dos enterros, sei lá por quê, deu para andar em São João Batista, contemplando túmulo. Coitada!
– No interior isso não é raro…
– Mas a moça era de Botafogo.
– Ela trabalhava?
– Em casa. Não me interrompa. Você não vai me pedir certidão de idade da moça, nem sua descrição física. Para o caso que estou contando, isso não interessa. O certo é que de tarde costumava passear – ou melhor, “deslizar” pelas ruinhas brancas do cemitério, mergulhada em cisma… Olhava uma inscrição, ou não olhava, descobria uma figura de anjinho, uma coluna partida, uma águia, comparava as covas ricas às covas pobres, fazia cálculos de idade dos defuntos, considerava retratos em medalhões – sim, há de ser isso que ela fazia por lá, pois que mais poderia fazer? Talvez mesmo subisse ao morro, onde está a parte nova do cemitério, e as covas mais modestas. E deve ter sido lá que, uma tarde, ela apanhou a flor.
– Que flor?
– Uma flor qualquer. Margarida, por exemplo. Ou cravo. Para mim foi margarida, mas é puro palpite, nunca apurei. Apanhou com esse gesto vago e maquinal que a gente tem diante de um pé de flor. Apanha, leva ao nariz – não tem cheiro, como inconscientemente já esperava –, depois amassa a flor, joga para um canto. Não se pensa mais nisso.
Se a moça jogou a margarida no chão do cemitério ou no chão da rua, quando voltou para casa, também ignoro. Ela mesma se esforçou mais tarde por esclarecer esse ponto, mas foi incapaz. O certo é que já tinha voltado, estava em casa bem quietinha havia poucos minutos, quando o telefone tocou, ela atendeu.
– Aloooô…
– Quede a flor que você tirou de minha sepultura?
A voz era longínqua, pausada, surda. Mas a moça riu. E, meio sem compreender:
– O quê?
Desligou. Voltou para o quarto, para as suas obrigações. Cinco minutos depois, o telefone chamava de novo.
– Alô.
– Quede a flor que você tirou de minha sepultura?
Cinco minutos dão para a pessoa mais sem imaginação sustentar um trote. A moça riu de novo, mas preparada.
– Está aqui comigo, vem buscar.
No mesmo tom lento, severo, triste, a voz respondeu:
– Quero a flor que você me furtou. Me dá minha florzinha.
Era homem, era mulher? Tão distante, a voz fazia-se entender, mas não se identificava. A moça topou a conversa:
– Vem buscar, estou te dizendo.
– Você bem sabe que eu não posso buscar coisa nenhuma, minha filha. Quero minha flor, você tem obrigação de devolver.
– Mas quem está falando aí?
– Me dá minha flor, eu estou te suplicando.
– Diga o nome, senão eu não dou.
– Me dá minha flor, você não precisa dela e eu preciso. Quero minha flor, que nasceu na minha sepultura.
O trote era estúpido, não variava, e moça, enjoando logo, desligou. Naquele dia não houve mais nada.
Mas no outro dia houve. À mesma hora o telefone tocou. A moça, inocente, foi atender.
– Alô!
– Quede a flor…
Não ouviu mais. Jogou o fone no gancho, irritada. Mas que brincadeira é essa! Irritada voltou à costura. Não demorou muito, a campainha tinia outra vez. E antes que a voz lamentosa recomeçasse:
– Olhe, vire a chapa, já está pau.
– Você tem que dar conta de minha flor, retrucou a voz de queixa. Pra que foi mexer logo na minha cova? Você tem tudo no mundo, eu, pobre de mim, já acabei. Me faz muita falta aquela flor.
– Essa é fraquinha. Não sabe de outra?
E desligou. Mas, voltando ao quarto, já não ia só. Levava consigo a idéia daquela flor, ou antes, a idéia daquela pessoa idiota que a vira arrancar uma flor no cemitério, e agora a aborrecia pelo telefone. Quem poderia ser? Não se lembrava de ter visto nenhum conhecido, era distraída por natureza. Pela voz não seria fácil acertar. Certamente se tratava de voz disfarçada, mas tão bem que não se podia saber ao certo se de homem ou de mulher. Esquisito, uma voz fria. E vinha de longe, como de interurbano. Parecia vir de mais longe ainda… Você está vendo que a moça começou a ter medo.
– E eu também.
– Não seja bobo. O fato é que aquela noite ela custou a dormir. E daí por diante é que não dormiu mesmo nada. A perseguição telefônica não parava. Sempre à mesma hora, no mesmo tom. A voz não ameaçava, não crescia de volume: implorava. Parecia que o diabo da flor constituía para ela a coisa mais preciosa do mundo, e que seu sossego eterno – admitindo que se tratasse de pessoa morta – ficara dependendo da restituição de uma simples flor. Mas seria absurdo admitir tal coisa, e a moça, além do mais, não queria se amofinar. No quinto ou sexto dia, ouviu firme a cantilena da voz e depois passou-lhe uma bruta descompostura. Fosse amolar o boi. Deixasse de ser imbecil (palavra boa, porque convinha a ambos os sexos). E se a voz não se calasse, ela tomaria providências.
A providência consistiu em avisar o irmão e depois o pai. (A intervenção da mãe não abalara a voz.) Pelo telefone, pai e irmão disseram as últimas à voz suplicante. Estavam convencidos de que se tratava de algum engraçado absolutamente sem graça, mas o curioso é que, quando se referiam a ele, diziam “a voz”.
– A voz chamou hoje? Indagava o pai, chegando da cidade.
– Ora. É infalível, suspirava a mãe, desalentada.
Descomposturas não adiantavam, pois, ao caso. Era preciso usar o cérebro. Indagar, apurar na vizinhança, vigiar os telefones públicos. Pai e filho dividiram entre si as tarefas. Passaram a freqüentar as casas de comércio, os cafés mais próximos, as lojas de flores, os marmoristas. Se alguém entrava e pedia licença para usar o telefone, o ouvido do espião se afiava. Mas qual. Ninguém reclamava flor de jazigo. E restava a rede dos telefones particulares. Um em cada apartamento, dez, doze no mesmo edifício. Como descobrir?
O rapaz começou a tocar para todos os telefones da Rua General Polidoro, depois para todos os telefones das ruas transversais, depois para todos os telefones da linha dois-meia… Discava, ouvia o alô, conferia a voz – não era –, desligava. Trabalho inútil, pois a pessoa da voz devia estar ali por perto – o tempo de sair do cemitério e tocar para a moça – e bem escondida estava ela, que só se fazia ouvir quando queria, isto é, a uma certa hora da tarde. Essa questão de hora também inspirou à família algumas diligências. Mas infrutíferas.
Claro que a moça deixou de atender telefone. Não falava mais nem com as amigas. Então a “voz”, que não deixava de pedir, se outra pessoa estava no aparelho, não dizia mais “você me dá minha flor”, mas “quero minha flor”, “quem furtou minha flor tem que restituir”, etc. Diálogo com essas pessoas a “voz” não mantinha. Sua conversa era com a moça. E a “voz” não dava explicações.
Isso durante quinze dias, um mês, acaba por desesperar um santo. A família não queria escândalos, mas teve de queixar-se à polícia. Ou a polícia estava muito ocupada em prender comunista, ou investigações telefônicas não eram sua especialidade – o fato é que não se apurou nada. Então o pai correu à Companhia Telefônica. Foi recebido por um cavalheiro amabilíssimo, que coçou o queixo, aludiu a fatores de ordem técnica…
– Mas é a tranqüilidade de um lar que eu venho pedir ao senhor! É o sossego de minha filha, de minha casa. Serei obrigado a me privar de telefone?
– Não faça isso, meu caro senhor. Seria uma loucura. Aí é que não se apurava mesmo nada. Hoje em dia é impossível viver sem telefone, rádio e refrigerador. Dou-lhe um conselho de amigo. Volte para sua casa, tranqüilize a família e aguarde os acontecimentos. Vamos fazer o possível.
Bem, você já está percebendo que não adiantou. A voz sempre mendigando a flor. A moça perdendo o apetite e a coragem. Andava pálida, sem ânimo para sair à rua ou para trabalhar. Quem disse que ela queria mais ver enterro passando? Sentia-se miserável, escravizada a uma voz, a uma flor, a um vago defunto que nem sequer conhecia. Porque – já disse que era distraída – nem mesmo se lembrava da cova de onde arrancara aquela maldita flor. Se ao menos soubesse…
O irmão voltou do São João Batista dizendo que, do lado por onde a moça passeara aquela tarde, havia cinco sepulturas plantadas. A mãe não disse coisa alguma, desceu, entrou numa casa de flores da vizinhança, comprou cinco ramalhetes colossais, atravessou a rua como um jardim vivo e foi derramá-los votivamente sobre os cinco carneiros. Voltou para casa e ficou à espera da hora insuportável. Seu coração lhe dizia que aquele gesto propiciatório havia de aplacar a mágoa do enterrado – se é que os mortos sofrem, e aos vivos é dado consolá-los, depois de os haver afligido.
Mas a “voz” não se deixou consolar ou subornar. Nenhuma outra flor lhe convinha senão aquela, miúda, amarrotada, esquecida, que ficara rolando no pó e já não existia mais. As outras vinham de outra terra, não brotavam de seu estrume – isso não dizia a voz, era como se dissesse. E a mãe desistiu de novas oferendas, que já estavam no seu propósito. Flores, missas, que adiantava?
O pai jogou a última cartada: espiritismo. Descobriu um médium fortíssimo, a quem expôs longamente o caso, e pediu-lhe que estabelecesse contato com a alma despojada de sua flor. Compareceu a inúmeras sessões, e grande era sua fé de emergência, mas os poderes sobrenaturais se recusaram a cooperar, ou eles mesmos são impotentes, quando alguém quer alguma coisa até sua última fibra, e a voz continuou, surda, infeliz, metódica. Se era mesmo de vivo (como às vezes a família ainda conjeturava, embora se apegasse cada dia mais a uma explicação desanimadora, que era a falta de qualquer explicação lógica para aquilo), seria de alguém que houvesse perdido toda noção de misericórdia; e se era de morto, como julgar, como vencer os mortos? De qualquer modo, havia no apelo uma tristeza úmida, uma infelicidade tamanha que fazia esquecer o seu sentido cruel, e refletir: até a maldade pode ser triste. Não era possível compreender mais do que isso. Alguém pede continuamente uma certa flor, e esta flor não existe mais para lhe ser dada. Você não acha inteiramente sem esperança?
– Mas, e a moça?
– Carlos, eu preveni que meu caso de flor era muito triste. A moça morreu no fim de alguns meses, exausta. Mas sossegue, para tudo há esperança: a voz nunca mais pediu.

25 de junho de 2012

Uma Noite de Verão, de Ambrose Bierce

O fato de estar enterrado não parecia provar a Henry Armstrong que ele tivesse morrido: sempre fora um homem difícil de convencer. Que ele estivesse realmente enterrado o testemunho de seus sentidos o levava a admitir. Sua postura – deitado de costas, as mãos cruzadas sobre o estômago e atadas com alguma coisa que ele partiu facilmente, sem melhorar muito a situação –, o confinamento estrito de toda a sua pessoa, a escuridão negra e o silêncio profundo, tudo isso compunha um corpo de evidência impossível de contradizer, e ele o aceitava sem objeção.
Mas morto – não. Ele estava apenas muito, muito doente. E tinha, além disso, a apatia dos inválidos, sem se preocupar demais com o destino incomum que lhe fora reservado. Não era filósofo – apenas uma pessoa ordinária e rasa, dotada, naquele momento, de uma indiferença patológica: o órgão do qual temia conseqüências estava entorpecido. Assim, sem nenhuma apreensão particular quanto ao seu futuro imediato, dormiu, e tudo estava em paz com Henry Armstrong. 
Mas alguma coisa se passava logo acima. Era uma noite escura de verão, rasgada por clarões ocasionais de relâmpagos que dardejavam contra uma nuvem baixa, a oeste, anunciando tempestade. Essas iluminações breves, balbuciantes, faziam aparecer, com nitidez espectral, os monumentos e as lápides do cemitério, tal como se os colocasse para dançar. Não era uma noite em que uma testemunha qualquer pudesse, de modo crível, perambular por ali, de modo que os três homens que lá apareceram, a cavar o túmulo de Henry Armstrong, se sentiam razoavelmente seguros.
Dois deles eram estudantes da faculdade de medicina, que ficava algumas milhas adiante. O terceiro era um negro gigantesco, chamado Jess. Por muitos anos, Jess tinha sido empregado no cemitério como uma espécie de faz-tudo, e era o seu bordão favorito dizer que conhecia “todas as almas do lugar”. Pela natureza do que estava a fazer agora, inferia-se que o lugar não era tão populoso quanto o registro o teria demonstrado.

Do lado de fora do muro, numa parte distanciada da estrada pública, estavam um cavalo e uma carroça a esperar.

O trabalho de escavação não era difícil: a terra com que o túmulo fora coberto poucas horas antes oferecia pouca resistência, sendo logo retirada. Remover o esquife de dentro do nicho foi menos fácil, mas não impossível, pois se tratava de uma habilidade de Jess, o qual desparafusou a tampa com cuidado e a colocou de lado, expondo o corpo com suas calças pretas e a camisa branca. Nesse exato instante o ar se inflamou, o estrondo ensurdecedor do trovão abalou o mundo, e Henry Armstrong se sentou tranqüilamente. Com gritos inarticulados, os homens fugiram de pavor, cada um numa direção. Por nada no mundo dois deles teriam sido persuadidos a retornar. Mas Jess era de outra têmpera.

No lusco do amanhecer, os dois estudantes – pálidos e exaustos do terror e da ansiedade causados pela aventura precedente, que ainda latejavam tumultuários em seu sangue – se encontraram na faculdade de medicina. ;
– Você viu? – gritou um deles.
– Meu Deus, sim! Que vamos fazer?
Foram até os fundos do edifício, onde viram um cavalo atrelado a uma carroça e amarrado a um mourão junto à porta da sala de dissecação. Entraram mecanicamente no cômodo. Sentado num banco, oculto pela obscuridade, estava Jess. Levantou-se, sorrindo, todo olhos e dentes.
– Estou esperando pelo meu pagamento – disse.
Estendido nu sobre uma mesa comprida jazia o corpo de Henry Armstrong, a cabeça lambuzada pelo sangue e pela lama de uma pazada.

(Traduzido por Renato Suttana)